O Ministério Público do Paraná (MPPR) apresentou denúncia contra quatro pessoas – a proprietária, o diretor operacional, o coordenador e o responsável pelo transporte de pacientes de um centro terapêutico localizado em Bocaiúva do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba. Eles são acusados de três homicídios culposos, três sequestros e três cárceres privados, ocorridos entre dezembro de 2024 e maio de 2025.
O centro, que oferecia supostos serviços de reabilitação e intervenção para dependentes químicos, foi interditado em junho deste ano por decisão da Vara Cível local, após pedido da Promotoria de Justiça da comarca. Desde então, a unidade está proibida de receber novos pacientes ou realizar atendimentos.
A denúncia descreve uma sequência de seis fatos criminosos. Em três casos, as vítimas foram privadas de liberdade de forma irregular, sem consentimento, e mantidas no local sob vigilância. Uma delas foi mantida em cárcere de dezembro de 2024 a abril de 2025; outra, de dezembro de 2024 até maio de 2025; e a terceira, sequestrada em janeiro de 2025, permaneceu internada contra a vontade até maio do mesmo ano.
Os homicídios apontados pelo MPPR teriam ocorrido em consequência da negligência e omissão de socorro por parte dos responsáveis pelo centro. Em um dos episódios, um paciente com dependência alcoólica e portando uma hérnia visível morreu sem receber atendimento médico adequado. Em outro caso, uma mulher com histórico recente de AVC e suspeita de encefalite foi internada sem exames e acabou falecendo. Já o terceiro homicídio ocorreu em março de 2025, quando um homem morreu após receber indevidamente um medicamento controlado que provocou pancreatite medicamentosa.
Segundo o Ministério Público, após receber o remédio, o paciente foi deixado em um beliche junto de outros internos, sem acompanhamento médico, sendo encontrado morto na manhã seguinte. “Os denunciados, por inobservância do dever objetivo de cuidado, contribuíram para a ocorrência de resultados previsíveis, ainda que não desejados”, afirma a Promotoria.
As internações eram majoritariamente involuntárias, contratadas por familiares mediante pagamento de R$ 1,5 mil de taxa de entrada e mensalidades que variavam entre R$ 1,5 mil e R$ 2,1 mil. O transporte dos pacientes era feito por um serviço terceirizado de remoção, popularmente conhecido como “resgate social”, que cobrava valores entre R$ 700 e R$ 2,4 mil por viagem.
Os relatos colhidos na investigação revelam ainda que os pacientes, ao chegarem ao local, eram frequentemente submetidos à chamada “contenção química”, uma prática que consistia na administração forçada de uma mistura de medicamentos controlados e de tarja preta, apelidada entre os internos de “danoninho”. O MPPR apurou que não havia avaliação médica prévia, e as prescrições eram emitidas após o início da internação, com base em consultas on-line com uma psiquiatra residente em Santa Catarina.
Além da responsabilização criminal dos quatro denunciados, o Ministério Público requer que eles sejam condenados ao pagamento de indenização de R$ 100 mil para cada uma das vítimas, como forma de reparação pelos danos causados às famílias.
O caso causou forte repercussão na região e reacendeu o debate sobre a fiscalização de clínicas e comunidades terapêuticas que atuam no acolhimento de pessoas com dependência química. As investigações prosseguem para identificar outros possíveis casos de violação de direitos humanos praticados no mesmo estabelecimento.
